terça-feira, 15 de abril de 2008

Em defesa da Erva (Marijuana, Maconha, Cannabis, Ganja e etc).


Um dos grandes absurdos ocorrido no Brasil nas últimas semanas foi a repressão ao debate sobre a maconha no Instituto de Geociências da UFMG. A reitoria de forma imbecil chamou a PM para impedir a exibição de um filme que tratava sobre o assunto...Uma prática autoritária e burra tentar impedir qualquer debate no seio da universidade, vai contra a propria ideia de universidade e quando o assunto é sobre a referida planta cannabis sativa, o absurdo toma uma dimenção bem maior.

Vamos então refletir o por que de tanta perseguição à uma simples planta, concebida pela natureza como tantas outras.

Em primeiro lugar a Cannabis Sativa sempre foi vista por maus olhos pela sociedade cristã européia. Não sendo uma planta natural da Europa, é uma planta dos trópicos, que só nasce no terceiro mundo...logo estes mesmos europeus não a conheciam, muito menos os seus usos.

No período dos governos islãmicos na Península Ibérica começou a ocorrer um maior contato cultural entre os povos, e a Peninsula Ibérica foi presenteada com a presença árabe por quase mil anos, e os árabes diversificaram e completaram a cultura ibérica, na linguagem, nas técnicas agrícolas, ensinaram aos portugueses e espanhóis inúmeras formas de irrigação e cultivo de plantas, como a oliva, donde os árabes ensinaram aos portugueses extrair o azeite (al zeit) , por exemplo.
A ocupação árabe não foi caracterizada pela violência contra os cristãos, não havia obrigação de se converter ao islamismo, ao contrário das colonizações cristãs nas Américas, que estariam mais caracterizadas pelo genocídios de etnias e visões de mundo fora do eixo cristão/católico. Dentre os hábitos desses "mouros" na Península Ibérica existia o de fumar o haxixe, palavra oriunda de haxixins, assassinos, referente aos muhajedins, guerreiros islâmicos, que utilizavam a planta. Os islâmicos sendo vistos como infiéis tudo que deriva-se de seus costumes também era considerado profano, como o próprio hábito de fumar o haxixe, que era visto com maus olhos pelos cristãos. Porém o uso e plantio do cânhamo na Península Ibérica pelos árabes introduziu uma nova e eficiente matéria-prima para a produção de panos, estopas, calçados e etc.

Como vemos, em primeiro lugar, desde Portugal, o haxixe já era discriminado por ser associado aos árabes, aos africanos, aos de pele morena e infiéis de outras religiões. Apesar do fim da ocupação árabe, o hábito de fumar o haxixe se difundiu e se estabeleceu, como o consumo do azeite que também foi introduzido pelos árabes em Portugal, até porque mil anos de ocupação não é um ano e nem cem, são mil anos, e muitos ali começaram a gostar de fumar a erva, assim como de planta-la. Um hábito relegado aos marginais e às zonas excluidas e rebelde da sociedade cristã, que rejeitou a maconha e abençoou outra droga, o álcool, a partir do vinho, o "sangue de Cristo".
Nós brasileiro somos formados, entre outros povos, por portugueses, povo oriundo de uma miscigenação entre os europeus mediterrâneos e os norte-africanos. No Brasil carregamos a cultura árabe no alfabeto (palavras que começam com "Al": alfaiate, alface, almoxarifado, alfabeto, alfãndega e etc ), na forma de vestir, nos rostos morenos e cabelos pretos, nos bigodes, nos Arabescos tão presentes em nossas janelas e portões (os ferreiros eram mouros em Portugal !), no machismo que enclausura as mulheres em casa e que admite a traição masculina, no uso dos véus, ainda presente nos sertões de nosso país, nas senhoras católicas, e a própria imagem de Maria, predomina o uso do véu ... nos azulejos trabalhados e enfeitados dos butequins e banheiros e cozinhas, além da própria culinária portuguesa . Como todas essas heranças, o uso do haxixe é uma delas, a muitos anos nossos antepassados fumavam cannabis, e não iremos parar de fumar, nem que o Estado proíba...a cultura e o viver são mais forte do que qualquer exército armado. Por isso que essa guerra contra a maconha, a OTAN já perdeu.

Somos uma nação com uma diversidade humana predominante e estabelecida, outros povos também já utilizavam da cannabis sativa antes de chegarem às estas terras. A cannabis não crescia apenas no norte da África, mas na África central e no sul da África também, e algumas etnias, como os Bantu da Angola também a utilizavam, e ali era chamada "maconha", uma palavra de origem Bantu, como muitas outras hoje no Brasil (macumba, bunda, angu, caçamba, caximbo, calunga e etc) este foi o nome que a planta recebeu aqui no Brasil. Nos EUA ela é chamada "marijuana", como referência aos mexicanos...os nomes sempre associados aos grupos não dominantes da sociedade. Sendo os Bantu escravos, oprimidos pela sociedade branca, tudo de seu universo deveria ser banalizado e perseguido, como sua religião e o uso da própria maconha, que segundo Gilberto Freyre, vieram as sementes nas tangas usadas pelos escravos, na difícil travessia do Atlântico. E como o sociólogo pernambucano afirma, o uso da maconha resiste à desafricanização forçada por governos brancos conservadores, que estimulavam a imigração européia no século XX para "embranquecer" o Brasil...a África continua, na pele, na religiosidade, no "se por para o mundo" e no orgulho black contemporâneo.
No candomblé os Orixás são relacionados cada um à algumas ervas, e ao Exu estava associada a maconha, como uma forma mística de transcendência, porém para evitar as batidas policias os candomblés acabaram por abandonar o ritual com a erva, a planta de Exu. Os Candomblés eram proibidos no século XX, a capoeira era proibida também, o uso da maconha até hoje, ou seja, era proibido ser qualquer coisa que não fosse seguir o parâmetros eurocêntricos.
O cultivo e o culto da Cannabis se estende da África à Índia, e na religiosidade hindu a maconha também é associada à Shivas, o Deus do Caos e da transformação, como o próprio Exu...são deuses que destroem o mundo para reconstruí-los depois, sobre outros parâmetros...essa visão para o monoteísmo era absurda, logo estes deuses caóticos foram tidos como demônios. O haxixe era usado para alcançar a transcendência entre os faquires islâmicos, era a união total com Deus e com o Cosmos. Os Rastafaris da Jamaica, baseados em um culto que surge na Etiópia, trazia do Velho Testamento Hebreu os argumentos para o uso da erva, e interpretavam que no gênises estava escrito que Deus fez a natureza "os rios , os animais, e as ervas para os homens se servirem delas"...Tudo depende do ponto de vista.

O atual preconceito e discriminação do usuário de maconha(o maconheiro), antes de qualquer preocupação com a saúde, está explicado e baseado em anos e séculos de História de conflitos e guerras entre a sociedade cristã européia e outras sociedades que teriam outras formas de vida e de hábitos. O combate conservador ao uso da maconha ainda pode ser visto, arqueologicamente, como resquício das cruzadas contra os árabes, "mouros" e "maometanos"... no policial que agride um usuário, está ali, no fundo, uma agressão baseada na história moral de nossa sociedade em sua relação com os não-brancos.

A repressão (baseada em história e cultura) hoje à maconha nos remete a vários interesses diferentes dos poderosos, desde a manutenção da produção de armas por parte da indústria bélica norte-americana, que alimenta combates ferrenhos na selva colombiana e nas periferias do Rio de janeiro ou da Cidade do México e de qualquer cidade Latino-Americana.
A fibra resistente do Cânhamo, que vem da maconha, poderia vir a servir como matéria-prima concorrente aos produtos derivado de petróleo, que são muitos... inclusive como bio-combustível (porém somos contra os latifúndios !).
Sem falar que, o uso da maconha, ainda serve às democracias burguesas como forma de repressão indireta aos guetos e periferias, pois lá estão os revoltosos, e se não tem motivos para prendê-los e manter uma vigilância constante, então utiliza-se o "combate às drogas" para manter a polícia eternamente ocupando as comunidades pobres.

Referências bibliográficas:

Cascudo, L. Câmara; Dicionário do Folclore brasileiro;Ed.
Bastide, Roger, O Candomblé da Bahia: rito nagô;Cia das Letras, São Paulo
Bey, Hakim; T.A.Z.: Zona Autônoma Temporária, Col. Baderna
Freyre, G. Casa grande & Senzala;
Freyre, G. Sobrados e Mucambos;
Gabeira, F. A Maconha (folha explica);
Hadadd, J. A.; O que é Islamismo.
Revista Super- Interessante; agosto; 2002 , "A Verdade Sobre a Maconha". Leia a reportagem Clickando aqui: superinteressante

Um comentário:

Anônimo disse...

Entrei no seu blog por acaso, mas gostei.
Estou sem tempo agora depois faço um comentário decente.
Tchau