terça-feira, 6 de outubro de 2009
Cutrale usa terras griladas em São Paulo
domingo, 26 de julho de 2009
Não Precisamos Mais de Martíres
Um texto de Andrew X, presente no livro Urgência das Ruas/Baderna
O ativista torna a política cega e estéril e leva as pessoas a se afastarem dela, mas desempenhando esse papel também ele próprio acaba se destruindo. O papel do ativista cria uma separação entre fins e meios: sacrifício próprio significa criar uma divisão entre a revolução como amor e alegria no futuro mas o dever e a rotina agora. A visão de mundo do ativista é dominado pela culpa e obrigação porque o ativista não está lutando por ele mesmo mas por uma causa separada: “Todas as causas são igualmente inumanas”7.
Parte de ser revolucionário pode consistir em saber a hora de parar e esperar. Pode ser importante saber como e quando atacar para uma máxima eficácia e também como e quando NÃO atacar. Ativistas têm a atitude ‘Nós precisamos fazer algo AGORA!’ que parece ser movida por culpa. Isto é completamente anti-tático.
O sacrifício próprio do militante ou do ativista é refletido no seu poder sobre os outros como um expert – da forma como numa religião existe um tipo de hierarquia do sofrimento e da honradez. O ativista assume poder sobre outros pela virtude de seu alto grau de sofrimento (grupos ‘não-hierárquicos’ de ativistas de fato formam a ‘ditadura do mais empenhado’). O ativista utiliza a coerção moral e a culpa para ganhar poder sobre outros menos experientes na teogonia do sofrimento. Sua subordinação de si mesmo anda de mãos dadas com a sua subordinação de outros – todos escravizados pela ‘causa’. Políticos que se auto-sacrificam impedem o crescimento de suas próprias vidas e de seu próprio desejo de viver – isto gera uma amargura e antipatia para a vida que é então virada para o exterior para secar tudo o mais. Eles são “grandes desprezadores da vida... os partidários do auto-sacrifício absoluto... suas vidas distorcidas pelo seu monstruoso ascetismo”8. Podemos observar isto no nosso próprio movimento, por exemplo no local, no antagonismo entre o desejo de sentar ao redor e ter um bom momento versus a culpa de pecador que constrói/fortalece as barricada do trabalho ético e no excessivo vigor que são denunciadas às vezes ‘escapadas para lanches’. O mártir que se auto-sacrifica é ofendido e ultrajado quando percebe que outros não estão se auto-sacrificando. Da mesma forma que o ‘trabalhador honesto’ ataca o batedor de carteira ou distribui socos com tal causticidade, sabemos que é porque ele odeia o seu trabalho e o martírio que ele fez de sua vida e portanto odeia ver qualquer um que escapa à esta luta, odeia ver alguém se divertindo enquanto ele está sofrendo – ele deve trazer todos para a merda em que ele vive – uma igualdade de auto-sacrifício.
Na antiga cosmologia da religião, o mártir de sucesso ia para o céu. Na visão de mundo moderna, mártires bem sucedidos podem procurar entrar para a história. Quanto maior o auto-sacrifício, quanto maior o sucesso em criar um papel (ou ainda melhor, em deixar um completamente novo para as pessoas igualarem – isto é, o eco-guerreiro), se ganha uma recompensa na história – o céu burguês.
A velha esquerda era muito clara na sua chamada pelo sacrifício heróico: “Se auto-sacrifiquem com prazer, irmãos e irmãs! Pela causa, pela Ordem Estabelecida, pelo Partido, pelo Unidade, pela Carne e Batatas!”9. Mas nos dias de hoje é muito mais velado: Vaneigem acusa “jovens radicais de esquerda” de “entrar[em] para o serviço da Causa – a ‘melhor’ de todas as Causas. O tempo que eles têm para a atividade criativa eles destróem entregando panfletos, colando cartazes, participando em manifestações públicas ou falando mal de políticos. Eles se tornam militantes, fetichizando a ação porque outros pensam por eles”10.
Isto ecoa conosco – especialmente sobre a fetichização da ação – em grupos de esquerda os militantes são deixados livres para se engajar em intermináveis trabalhos porque o líder do grupo ou guru possui a ‘teoria’ certa, que é simplesmente aceita e tratada como a ‘linha do partido’. Com ativistas de ação direta é irrelevantemente diferente – a ação é fetichizada, porém mais distante de uma aversão à qualquer teoria.
Embora esteja presente, o elemento do papel de ativista que recai no auto-sacrifício e na obrigação não foi tão significante no 18 de Junho. O que é mais do que um assunto a ser tratado por nós é o sentimento de separação das ‘pessoas comuns’ que implica o ativismo. As pessoas identificam alguma estranha subcultura ou panelinha sendo ‘nós’, como oposto a ‘eles’ que é todo o resto do mundo.
ISOLAMENTO
Semelhantemente, os vários fóruns de redes que recentemente surgiram em todo o país – Rebel Alliance em Brighton, NASA em Nottingham, Rioutous Assembly em Manchester, London Underground, etc. possuem um objetivo similar – conseguir que todos os grupos de ativistas na área entrem em contato uns com os outros. Não estou rejeitando isto – é um pré-requisito essencial para qualquer ação futura, mas deveria ser reconhecida a forma extremamente limitada de ‘fazer contatos’ que isto representa. É também interessante que o que os grupos que participam desses encontros possuem em comum consiste em eles serem grupos ativistas – no que eles atualmente estão preocupados parece ser de ordem secundária.
Não é suficiente somente procurar manter contatos com todos os ativistas no mundo, nem é suficiente procurar transformar mais pessoas em ativistas. Contrariamente ao que algumas pessoas possam achar, não estaremos mais próximos de uma revolução se muitas e muitas pessoas se tornarem ativistas. Algumas pessoas parecem ter a estranha idéia de que o que é preciso é que todos sejam de alguma forma persuadidos a se tornarem ativistas como nós, e consequentemente teremos a revolução. Vaneigem diz: “A Revolução é feita todo dia, apesar e em oposição, aos especialistas da revolução”11.
O militante ou ativista é um especialista em transformação social ou revolução. O especialista recruta outros para a sua pequena área de especialidade de maneira a aumentar seu próprio poder, deste modo dissipando a percepção de sua própria impotência. “O especialista... matricula a si próprio de maneira a matricular outros”12. Como num jogo de pirâmide, a hierarquia é auto-replicante – se é recrutado de maneira a ficar na base da pirâmide, se tem que recrutar mais pessoas para estarem abaixo de você, que farão então exatamente o mesmo. A reprodução da sociedade alienada de papéis e funções é efetuada através de especialistas.
Jacques Camatte em seu ensaio ‘ On Organization’ (1969)13 aponta muito bem que grupos políticos muitas vezes acabam se tornando ‘gangues’ definindo-se por exclusão – a primeira lealdade dos membros do grupo se torna ao grupo ao invés de ser para a luta. Sua crítica se aplica especialmente para a miríade dos setores de esquerda e grupúsculos aos quais ela foi direcionada, mas se aplica em menor proporção para a mentalidade ativista.
O grupo político ou partido se auto-substitui ao proletariado e sua própria sobrevivência e reprodução se torna o soberano supremo – a atividade revolucionária se torna sinônimo de ‘construir o partido’ e recrutar membros. O grupo considera a si próprio como sendo o único possuidor da verdade e todos fora do grupo são tratados como um idiota que precisa ser educado por esta vanguarda. Ao invés de um debate igual entre camaradas nós temos no lugar a separação da teoria e propaganda, onde o grupo possui sua própria teoria, a qual é quase sempre mantida em segredo na crença de que os jogadores menos mentalmente capazes devem ser ludibriados pela organização através de alguma estratégia de populismo antes que a política seja lançada a eles de surpresa. Este método desonesto de lidar com aqueles fora do grupo é semelhante a um culto religioso – eles nunca lhe dirão de frente seus objetivos e pensamentos.
Podemos ver algumas semelhanças com o ativismo, na maneira como o meio ativista age como a esquerda. O ativismo como um todo possui algumas características de uma ‘gangue’. Gangues de ativistas frequentemente acabam se tornando alianças entre classes, incluindo todo tipo de reformistas liberais por eles também serem ‘ativistas’. As pessoas se vêem primeiramente como ativistas e sua primeira lealdade se volta para a comunidade de ativistas e não para a luta em si. A “gangue” é uma comunidade ilusória, que nos distrai de formarmos uma comunidade maior de resistência. A essência da crítica de Camatte é um ataque à criação de uma divisão interior/exterior entre um grupo ou classe. Nós nos vemos como ativistas e portanto como estando separados e tendo diferentes interesses da massa da classe trabalhadora.
Nossa atividade deve ser a expressão imediata de uma luta real, não da afirmação da separação e distinção de um grupo particular. Em grupos marxistas a posse da ‘teoria’ é o elemento que determina o poder – é diferente no meio ativista, mas não tão diferente – a posse do ‘capital social’ relevante – conhecimento, experiência, contatos, equipamento, etc., é o elemento primário determinando o poder.
O ativismo reproduz a estrutura desta sociedade e como ela opera: “Quando o rebelde começa a acreditar que ele está lutando por um bem maior, o princípio autoritário dá um corte”14. Este não é um problema trivial, mas é a base das relações sociais capitalistas. O capital é uma relação social entre pessoas mediadas por coisas – o princípio básico da alienação é de que vivemos nossas vidas ao serviço de alguma coisa que nós mesmos criamos. Se nós reproduzimos esta estrutura em nome da política que se declara anti-capitalista, já perdemos antes mesmo de termos começado. Não se pode lutar contra a alienação por meios alienados.
lei-a o texto na íntegra aqui: Abandone o Ativismo