terça-feira, 6 de outubro de 2009

Cutrale usa terras griladas em São Paulo

Cerca de 250 famílias do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) permanecem acampadas desde a semana passada (28/09), na fazenda Capim, que abrange os municípios de Iaras, Lençóis Paulista e Borebi, região central do Estado de São Paulo. A área possui mais de 2,7 mil hectares, utilizadas ilegalmente pela Sucocítrico Cutrale para a monocultura de laranja - o que demonstra o aumento da concentração de terras no país, como apontou recentemente o censo agropecuário do IBGE.

A área da fazenda Capim faz parte do chamado Núcleo Monções, um complexo de 30 mil hectares divididos em várias fazendas e de posse legal da União. É nessa região que está localizada a fazenda da Cutrale, e onde estão localizadas cerca de 10 mil hectares de terras públicas reconhecidas oficialmente como devolutas, além de 15 mil hectares de terras improdutivas.
A ocupação tem como objetivo denunciar que a empresa está sediada em terras do governo federal, ou seja, são terras da União utilizadas de forma irregular pela produtora de sucos. Além disso, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) já teria se manifestado em relação ao conhecimento de que as terras são realmente da União, de
acordo com representantes dos Sem Terra em Iaras.
Como forma de legitimar a grilagem, a Cutrale realizou irregularmente o plantio de laranja em terras da União. A produtividade da área não pode esconder que a Cutrale grilou terras públicas, que estão sendo utilizadas de forma ilegal, sendo que, neste caso, a laranja é o símbolo da irregularidade. A derrubada dos pés de laranja pretende questionar a
grilagem de terras públicas, uma prática comum feita por grandes empresas monocultoras em terras brasileiras como a Aracruz (ES), Stora Enzo (RS), entre outras.

O local já foi ocupado diversas vezes, no intuito de denunciar a ação ilegal de grilagem da Cutrale. Além da utilização indevida das terras, a empresa está sendo investigada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo pela formação de cartel no ramo da produção de sucos, prejudicando assim os pequenos produtores. A empresa também já foi autuada inúmeras vezes por causar impactos ao ecossistema, poluindo o meio ambiente ao despejar esgoto sem tratamento em diversos rios. No entanto, nenhuma atitude foi tomada em relação a esta questão.
Há um pedido de reintegração de posse, no entanto as famílias deverão permanecer na fazenda até que seja marcada uma reunião com o superintendente do Incra, assim exigindo que as terras griladas sejam destinadas para a Reforma Agrária. Com isso, cerca de 400 famílias acampadas seriam assentadas na região. Há hoje, em todo o estado de São
Paulo, 1,6 mil famílias acampadas lutando pela terra. No Brasil, são 90 mil famílias vivendo embaixo de lonas pretas.
Direção Estadual do MST-SP

domingo, 26 de julho de 2009

Não Precisamos Mais de Martíres


Um texto de Andrew X, presente no livro Urgência das Ruas/Baderna

A chave para entender o papel do militante e o ativista é o sacrifício próprio – o sacrifício de si mesmo para ‘a causa’ a qual é vista como algo separado de si próprio. Isto é claro não tem nada a ver com a verdadeira atividade revolucionária que é encontrar a si próprio. O martírio revolucionário caminha junto com a identificação de alguma causa separada de sua própria vida – uma ação contra o capitalismo que identifica o capitalismo como ‘lá fora’ na City é fundamentalmente um engano – o poder real do capital está aqui mesmo na nossa vida cotidiana – nós recriamos o seu poder todos os dias porque o capital não é uma coisa, mas uma relação social entre pessoas (e também entre classes) mediada por coisas. É claro que eu não estou sugerindo que todas as pessoas envolvidas no 18 de Junho compartilham a adoção deste papel, e o sacrifício próprio que caminha com ele, em uma igual proporção. Como eu disse antes, o problema do ativismo ficou particularmente aparente no 18 de Junho precisamente porque o 18 de Junho foi uma tentativa de quebrar esses papéis e nossos modos normais de operar. Muito do que está escrito aqui é um ‘cenário do pior caso’ que pode levar o desempenho do papel de ativista. A proporção do quanto podemos reconhecer nosso movimento dentro deste quadro nos dará uma indicação de quanto trabalho ainda está por ser feito.

O ativista torna a política cega e estéril e leva as pessoas a se afastarem dela, mas desempenhando esse papel também ele próprio acaba se destruindo. O papel do ativista cria uma separação entre fins e meios: sacrifício próprio significa criar uma divisão entre a revolução como amor e alegria no futuro mas o dever e a rotina agora. A visão de mundo do ativista é dominado pela culpa e obrigação porque o ativista não está lutando por ele mesmo mas por uma causa separada: “Todas as causas são igualmente inumanas”7.

Como um ativista você tem que negar seus próprios desejos porque sua atividade política é definida de tal modo que estas coisas não contam como ‘políticas’. Coloca-se ‘política’ em uma caixa separada do resto da vida – é como um emprego... se faz ‘política’ das 9 às 5 e então se vai para casa e se faz alguma outra coisa. Porque ela se encontra em uma caixa separada, a ‘política’ existe desobstruída de quaisquer considerações práticas de efetividade do mundo real. O ativista se sente obrigado a manter em funcionamento a mesma velha rotina sem pensar, incapaz de parar ou reconsiderar, o ponto principal é que o ativista é mantido ocupado e alivia sua culpa batendo sua cabeça em um muro se necessário.

Parte de ser revolucionário pode consistir em saber a hora de parar e esperar. Pode ser importante saber como e quando atacar para uma máxima eficácia e também como e quando NÃO atacar. Ativistas têm a atitude ‘Nós precisamos fazer algo AGORA!’ que parece ser movida por culpa. Isto é completamente anti-tático.

O sacrifício próprio do militante ou do ativista é refletido no seu poder sobre os outros como um expert – da forma como numa religião existe um tipo de hierarquia do sofrimento e da honradez. O ativista assume poder sobre outros pela virtude de seu alto grau de sofrimento (grupos ‘não-hierárquicos’ de ativistas de fato formam a ‘ditadura do mais empenhado’). O ativista utiliza a coerção moral e a culpa para ganhar poder sobre outros menos experientes na teogonia do sofrimento. Sua subordinação de si mesmo anda de mãos dadas com a sua subordinação de outros – todos escravizados pela ‘causa’. Políticos que se auto-sacrificam impedem o crescimento de suas próprias vidas e de seu próprio desejo de viver – isto gera uma amargura e antipatia para a vida que é então virada para o exterior para secar tudo o mais. Eles são “grandes desprezadores da vida... os partidários do auto-sacrifício absoluto... suas vidas distorcidas pelo seu monstruoso ascetismo”8. Podemos observar isto no nosso próprio movimento, por exemplo no local, no antagonismo entre o desejo de sentar ao redor e ter um bom momento versus a culpa de pecador que constrói/fortalece as barricada do trabalho ético e no excessivo vigor que são denunciadas às vezes ‘escapadas para lanches’. O mártir que se auto-sacrifica é ofendido e ultrajado quando percebe que outros não estão se auto-sacrificando. Da mesma forma que o ‘trabalhador honesto’ ataca o batedor de carteira ou distribui socos com tal causticidade, sabemos que é porque ele odeia o seu trabalho e o martírio que ele fez de sua vida e portanto odeia ver qualquer um que escapa à esta luta, odeia ver alguém se divertindo enquanto ele está sofrendo – ele deve trazer todos para a merda em que ele vive – uma igualdade de auto-sacrifício.

Na antiga cosmologia da religião, o mártir de sucesso ia para o céu. Na visão de mundo moderna, mártires bem sucedidos podem procurar entrar para a história. Quanto maior o auto-sacrifício, quanto maior o sucesso em criar um papel (ou ainda melhor, em deixar um completamente novo para as pessoas igualarem – isto é, o eco-guerreiro), se ganha uma recompensa na história – o céu burguês.

A velha esquerda era muito clara na sua chamada pelo sacrifício heróico: “Se auto-sacrifiquem com prazer, irmãos e irmãs! Pela causa, pela Ordem Estabelecida, pelo Partido, pelo Unidade, pela Carne e Batatas!”9. Mas nos dias de hoje é muito mais velado: Vaneigem acusa “jovens radicais de esquerda” de “entrar[em] para o serviço da Causa – a ‘melhor’ de todas as Causas. O tempo que eles têm para a atividade criativa eles destróem entregando panfletos, colando cartazes, participando em manifestações públicas ou falando mal de políticos. Eles se tornam militantes, fetichizando a ação porque outros pensam por eles”10.

Isto ecoa conosco – especialmente sobre a fetichização da ação – em grupos de esquerda os militantes são deixados livres para se engajar em intermináveis trabalhos porque o líder do grupo ou guru possui a ‘teoria’ certa, que é simplesmente aceita e tratada como a ‘linha do partido’. Com ativistas de ação direta é irrelevantemente diferente – a ação é fetichizada, porém mais distante de uma aversão à qualquer teoria.

Embora esteja presente, o elemento do papel de ativista que recai no auto-sacrifício e na obrigação não foi tão significante no 18 de Junho. O que é mais do que um assunto a ser tratado por nós é o sentimento de separação das ‘pessoas comuns’ que implica o ativismo. As pessoas identificam alguma estranha subcultura ou panelinha sendo ‘nós’, como oposto a ‘eles’ que é todo o resto do mundo.

ISOLAMENTO

A função de ativista é um isolamento auto-imposto de todas as pessoas que deveríamos estar ligados. Incorporando o papel de um ativista se é separado do resto da raça humana como alguém especial e diferente. As pessoas tendem a pensar nelas mesmas na primeira pessoa do plural (a quem você está se referindo quando você diz ‘nós’? ) como se estivessem se referindo a alguma comunidade de ativistas, ao invés de uma classe. Por exemplo, durante algum tempo hoje em dia no meio ativista tem sido popular se expressar por ‘não mais temas isolados’ e pela importância de ‘fazer contatos’. Porém, muitas concepções para essas pessoas do que isso significava se limitava a ‘fazer contatos’ com outros ativistas e outros grupos de campanhas. O 18 de Junho demonstrou isto muito bem, toda a idéia era ter todas as representações de todas as variadas e diferentes causas e temas em um lugar no mesmo momento, voluntariamente relegando nós mesmos ao gueto das boas causas.

Semelhantemente, os vários fóruns de redes que recentemente surgiram em todo o país – Rebel Alliance em Brighton, NASA em Nottingham, Rioutous Assembly em Manchester, London Underground, etc. possuem um objetivo similar – conseguir que todos os grupos de ativistas na área entrem em contato uns com os outros. Não estou rejeitando isto – é um pré-requisito essencial para qualquer ação futura, mas deveria ser reconhecida a forma extremamente limitada de ‘fazer contatos’ que isto representa. É também interessante que o que os grupos que participam desses encontros possuem em comum consiste em eles serem grupos ativistas – no que eles atualmente estão preocupados parece ser de ordem secundária.

Não é suficiente somente procurar manter contatos com todos os ativistas no mundo, nem é suficiente procurar transformar mais pessoas em ativistas. Contrariamente ao que algumas pessoas possam achar, não estaremos mais próximos de uma revolução se muitas e muitas pessoas se tornarem ativistas. Algumas pessoas parecem ter a estranha idéia de que o que é preciso é que todos sejam de alguma forma persuadidos a se tornarem ativistas como nós, e consequentemente teremos a revolução. Vaneigem diz: “A Revolução é feita todo dia, apesar e em oposição, aos especialistas da revolução”11.

O militante ou ativista é um especialista em transformação social ou revolução. O especialista recruta outros para a sua pequena área de especialidade de maneira a aumentar seu próprio poder, deste modo dissipando a percepção de sua própria impotência. “O especialista... matricula a si próprio de maneira a matricular outros”12. Como num jogo de pirâmide, a hierarquia é auto-replicante – se é recrutado de maneira a ficar na base da pirâmide, se tem que recrutar mais pessoas para estarem abaixo de você, que farão então exatamente o mesmo. A reprodução da sociedade alienada de papéis e funções é efetuada através de especialistas.

Jacques Camatte em seu ensaio ‘ On Organization’ (1969)13 aponta muito bem que grupos políticos muitas vezes acabam se tornando ‘gangues’ definindo-se por exclusão – a primeira lealdade dos membros do grupo se torna ao grupo ao invés de ser para a luta. Sua crítica se aplica especialmente para a miríade dos setores de esquerda e grupúsculos aos quais ela foi direcionada, mas se aplica em menor proporção para a mentalidade ativista.

O grupo político ou partido se auto-substitui ao proletariado e sua própria sobrevivência e reprodução se torna o soberano supremo – a atividade revolucionária se torna sinônimo de ‘construir o partido’ e recrutar membros. O grupo considera a si próprio como sendo o único possuidor da verdade e todos fora do grupo são tratados como um idiota que precisa ser educado por esta vanguarda. Ao invés de um debate igual entre camaradas nós temos no lugar a separação da teoria e propaganda, onde o grupo possui sua própria teoria, a qual é quase sempre mantida em segredo na crença de que os jogadores menos mentalmente capazes devem ser ludibriados pela organização através de alguma estratégia de populismo antes que a política seja lançada a eles de surpresa. Este método desonesto de lidar com aqueles fora do grupo é semelhante a um culto religioso – eles nunca lhe dirão de frente seus objetivos e pensamentos.

Podemos ver algumas semelhanças com o ativismo, na maneira como o meio ativista age como a esquerda. O ativismo como um todo possui algumas características de uma ‘gangue’. Gangues de ativistas frequentemente acabam se tornando alianças entre classes, incluindo todo tipo de reformistas liberais por eles também serem ‘ativistas’. As pessoas se vêem primeiramente como ativistas e sua primeira lealdade se volta para a comunidade de ativistas e não para a luta em si. A “gangue” é uma comunidade ilusória, que nos distrai de formarmos uma comunidade maior de resistência. A essência da crítica de Camatte é um ataque à criação de uma divisão interior/exterior entre um grupo ou classe. Nós nos vemos como ativistas e portanto como estando separados e tendo diferentes interesses da massa da classe trabalhadora.

Nossa atividade deve ser a expressão imediata de uma luta real, não da afirmação da separação e distinção de um grupo particular. Em grupos marxistas a posse da ‘teoria’ é o elemento que determina o poder – é diferente no meio ativista, mas não tão diferente – a posse do ‘capital social’ relevante – conhecimento, experiência, contatos, equipamento, etc., é o elemento primário determinando o poder.

O ativismo reproduz a estrutura desta sociedade e como ela opera: “Quando o rebelde começa a acreditar que ele está lutando por um bem maior, o princípio autoritário dá um corte”14. Este não é um problema trivial, mas é a base das relações sociais capitalistas. O capital é uma relação social entre pessoas mediadas por coisas – o princípio básico da alienação é de que vivemos nossas vidas ao serviço de alguma coisa que nós mesmos criamos. Se nós reproduzimos esta estrutura em nome da política que se declara anti-capitalista, já perdemos antes mesmo de termos começado. Não se pode lutar contra a alienação por meios alienados.

lei-a o texto na íntegra aqui: Abandone o Ativismo